O caso José Augusto
Na última sexta-feira, José Augusto Mota da Silva, de 32 anos, perdeu a vida enquanto aguardava atendimento na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Cidade de Deus, zona oeste do Rio de Janeiro. Artesão, José Augusto enfrentava uma rotina de instabilidade profissional e problemas de saúde que complementaram em uma tragédia que evidencia as graves falhas no sistema público de saúde brasileiro.
Nascido em Mogi Guaçu, interior de São Paulo, José Augusto vivia no Rio de Janeiro desde 2012, onde dividia seu tempo entre a confecção e venda de bijuterias e trabalhos temporários como garçom e auxiliar de serviços gerais. Recentemente, foi demitido de dois empregos, com familiares relatando que ele apresentava frequentes dores no estômago e episódios de vômito, o que impactou diretamente em sua permanência nos postos de trabalho. Na sexta-feira, José Augusto procurou a UPA buscando alívio para suas dores, mas nunca chegou a ser atendido.
A revolta dos pacientes
Imagens divulgadas nas redes sociais mostram o corpo de José Augusto sendo retirado do local, rodeado por pacientes indignados com o descaso: “Agora ele é paciente, né? Agora vocês estão com pressa. O homem chegou aqui gritando de dor”, disse uma mulher que presenciava a cena. As imagens mostram José Augusto já sem vida, sentado na unidade, antes de ser colocado em uma maca por funcionários.
Posicionamento das autoridades
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informou que o paciente foi classificado como de risco às 20h30 e que poucos minutos depois foi encontrado desacordado. Ele foi encaminhado à Sala Vermelha para atendimento, onde sofreu uma parada cardiorrespiratória. Apesar das tentativas de reanimação, José Augusto não resistiu. O corpo foi levado ao Instituto Médico Legal para determinação da causa da morte, enquanto a direção da unidade abriu uma sindicância para apurar o ocorrido.
O caso ganhou ampla repercussão após o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, anunciar em suas redes sociais a demissão de todos os profissionais que estavam de plantão na UPA naquele dia. Soranz declarou que é inadmissível que os funcionários não tenham identificado a gravidade da situação e determinou que os envolvidos sejam denunciados aos seus respectivos conselhos de classe. Entretanto, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) pediu cautela antes de medidas definitivas. Em nota, o Cremerj afirmou que a responsabilização deve ocorrer apenas após uma investigação criteriosa e alertou para as consequências de demissões precipitadas.
A busca por justiça
A família de José Augusto, representada pela sobrinha Emily Larissa, de 19 anos, busca justiça. Emily relata que o tio chegou à unidade acompanhado por um amigo, que precisou se ausentar temporariamente e recebeu a notícia da morte através de um vídeo que circulava nas redes sociais. A jovem, que está à frente das providências legais junto com sua mãe, afirma que até o momento a família não conseguiu registrar boletim de ocorrência sobre o caso. O caso também é investigado pela 41ª Delegacia de Polícia (Tanque), que realiza diligências para esclarecer os fatos.
Falhas recorrentes no sistema
Relatórios anteriores do Cremerj sobre a UPA da Cidade de Deus já haviam identificado deficiências crônicas, como a falta de médicos. As visitas realizadas em 2021, 2022 e 2023 apontaram problemas estruturais e de equipe, que permanecem sem solução. A morte de José Augusto não é um caso isolado, mas um reflexo de um sistema público sobrecarregado e incapaz de atender às demandas básicas da população. Para muitos, a espera por atendimento tem sido um risco de vida, transformando o que deveria ser um refúgio em um cenário de tragédias anunciadas.
A tragédia envolvendo José Augusto Mota da Silva não é um incidente isolado;
Casos semelhantes têm ocorrido em diversas UPAs pelo país. Em Marília, São Paulo, médicos denunciaram condições precárias de trabalho, incluindo infraestrutura deficiente e falta de equipamentos, comprometendo o atendimento aos pacientes. No Distrito Federal, a falta de médicos nas Unidades Básicas de Saúde tem prejudicado o funcionamento adequado dessas unidades, especialmente nas regiões mais afastadas. Esses episódios evidenciam um padrão preocupante de negligência e insuficiência no sistema público de saúde. As UPAs, concebidas para oferecer atendimento emergencial e desafogar os hospitais, frequentemente enfrentam desafios como escassez de profissionais, infraestrutura inadequada e sobrecarga de pacientes. A falta de médicos é apontada como um dos principais problemas do Sistema Único de Saúde (SUS), afetando diretamente a qualidade e a rapidez do atendimento.
A indignação gerada por casos como o de José Augusto levanta questões urgentes sobre a eficácia das medidas tomadas até o momento para melhorar o atendimento nas UPAs. Além de investigar e punir os responsáveis diretos, é essencial que o poder público invista em soluções estruturais que garantem dignidade e acesso adequado à saúde para todos os brasileiros.
Cada vida perdida em filas ou salas de espera reforça a necessidade de priorizar a saúde como um direito básico e inegociável, e não como um privilégio acessível a poucos.