Dia 25 de Julho: Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha 

No ano de 1992, um grupo de mulheres ativistas, junto com a Organização das Nações Unidas (ONU), organizou o primeiro Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas em Santo Domingo, na República Dominicana. Nesse encontro, as representantes discutiram o papel da mulher na formação, do que hoje conhecemos como América latina, e potencializaram a figura da mulher negra como sendo o centro do debate, destacando as desigualdades e entraves pelo qual essa é submetida, e ainda naquela época ignorada. Com o apoio da ONU, esse dia ganhou legitimidade e notoriedade sendo declarado internacionalmente como O Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.

CFP atua para contribuir com superação do racismo, do preconceito e da discriminação

Interseccionalidade: 

Um pouco antes da convenção, em 1989, a autora e pesquisadora voltada a crítica racial, Kimberlé Crenshaw, desenvolve o termo ‘interseccionalidade’’, no qual destaca que, assim como na matemática existem números de tipos variados que sofrem intersecção, ou seja, um conjunto de elementos que, simultaneamente, pertencem a dois ou mais conjuntos, as mulheres negras, por vezes pertencem a intersecção raça, gênero e classe. 

Esse conceito foi importante a fim de entender a origem das desigualdades estruturais e o papel das instituições, como o Direito, na fundação e perpetuação da opressão e dominação de uma figura, socialmente construída, como superior e inferior. 

No entanto, atualmente, apesar do termo ter ampliado o debate das feministas para a mulher negra, academicamente, o conceito é problemático porque desenvolve um errôneo pensamento de hierarquia

de opressão, no qual o aspecto gênero pode ser sobreposto ou classificado perante os outros como raça e classe. 

– Sobre a Hierarquia de Opressão: 

Coincidentemente, falecia em 17 de novembro de 1992, mesmo ano de reconhecimento do Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, a escritora feminista Audre Lorde, uma mulher afro-americana dedicada ao estudo da mulher negra na sociedade estadunidense, ganhou notoriedade nas ciências sócias com seu livro “Eu sou sua irmã”, no qual relata seu principal argumento teórico, no capítulo “Não há hierarquia de opressão”. 

Neste capítulo, ela salienta que, apesar das mulheres negras serem um dos setores mais atingidos em estrutura e desigualdade, não são representadas completamente nem pelo movimento negro nem pelo movimento feminista contemporâneo à época, ressaltando assim, que dentro da figura feminina negra 

não há uma opressão superior ou inferior, de menor ou maior grau ou importância, e que por isso deve-se olhar para esse grupo de tal forma como é, sem ignorá-la ou subjugá-la. 

“EU NASCI NEGRA, E MULHER. Esforço-me para ser a pessoa mais forte que eu conseguir – para viver a vida que me deram e para promover algum tipo de mudança que leve a um futuro decente para esta terra e para os meus filhos. Sendo uma pessoa negra, lésbica, feminista, socialista, poeta, mãe de duas crianças – uma delas, um garoto – e parte de um casal interracial, eu me lembro a todo momento 

de que sou parte daquilo que a maioria chama de desviante, difícil, inferior, ou um escancarado ‘errado’.” – Reitera Audre Lorde no livro anteriormente citado.

– No Brasil: 

No Brasil, o dia 25 de julho foi reconhecido pelo governo Dilma com a aplicação da lei 12.987, do ano 2014, como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, homenageando a Rainha Tereza, que ainda no séc. XVIII lutava ativamente contra a escravidão e a opressão de seu povo. 

O site Impressões Rebeldes, pesquisas históricas da UFF, relata a trajetória de Tereza e a organização do quilombo de Quariterê, um dos maiores da capitania de Mato Grosso. “Ela assumiu o comando do quilombo, gerando uma situação bastante representativa de uma liderança quilombola feminina. Conforme a tradição de alguns povos africanos, replicada no Novo Mundo, a liderança comunitária possuía o título de Rei, condição que Tereza herda com a morte de José Piolho, homem considerado o “maior oráculo” da comunidade e conselheiro do “parlamento” que lá havia. Alguns pesquisadores julgam que havia sido marido de Tereza. O Quilombo do Quariterê, formado na década de 1730 no vale do Guaporé, junto ao rio Galera, contava com cerca de 100 moradores quarenta anos depois, sendo 69 ‘negros da guiné’, designação genérica para os africanos, e os restantes homens e mulheres indígenas.”, relata a pesquisa.

Tereza de Benguela viveu no Brasil do século 18 e, por 20 anos, chefiou o Quilombo do Quariterê — Foto: Divulgação

O Quilombo tinha uma estrutura desenvolvida em termos econômicos, políticos e militares. Isso porque tinha uma base agrícola de subsistência, além da extração mineral, que em excedente eram revendidos em comércios regionais, o que demandava uma rede de segurança e contatos confiáveis para a preservação da comunidade. O “Grande Quilombo” como ficou conhecido, permaneceu até 1770, quando em uma expedição de bandeirantes, foi arrasada e destruída em seu âmago com a prisão e morte de Tereza, sua Rainha. “O núcleo de rebeldia que Tereza comandou foi, depois desse ataque, repovoado e rebatizado como Quilombo do Piolho, permanecendo no mesmo local até 1795, quando outra expedição militar o destruiu.”. 

A data celebra e homenageia essa mulher de força e representatividade brasileira, mas que, porém, reitera a luta constante e ininterrupta das brasileiras negras pelo direito de viver, de sua liberdade e principalmente pela busca incessante por felicidade. 

Ainda hoje, no Brasil, mesmo com tantos avanços institucionais frente à equidade de gênero, classe e raça, dados da 18ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgados em 18 de julho, destacam a alarmante vulnerabilidade das mulheres e meninas negras às violências de gênero e raça. Os registros de estupro aumentaram 6,5% entre 2022 e 2023, alcançando um novo recorde de 83.988 casos registrados pela polícia. Em 76% das ocorrências, as vítimas tinham menos de 14 anos, o que segundo o Código Penal brasileiro configura crime de estupro de vulnerável, que é a prática de conjunção carnal ou ato libidinoso com crianças nessa faixa etária. O perfil das vítimas de estupro e estupro de vulnerável manteve-se consistente em relação aos anos anteriores do levantamento: 88,2% das vítimas são meninas, 52,2% são negras e 61,6% têm no máximo 13 anos. 

Portanto, é relevante mesmo após mais de 30 anos de oficialização da data, entender que a mulher negra existe, e não de forma simplista em palavras, mas em atos, que ela merece direitos efetivados e uma vida plena, lutar por esse grupos significa lutar por toda uma sociedade e uma história que tem frutos nela. Compreender a importância, vai além de instaurar um dia internacionalmente, mas de lembrar sempre, de nunca esquecer, o por quê, a intenção voltada para a Instituição do Dia 25 de Julho. 

Faça uma doação

Considere apoiar o nosso jornalismo independente através de uma doação.

Se inscreva!