O FIM DA GUERRA NA SÍRIA?

Na fé Islâmica, acredita-se em uma profecia do fim do mundo, no qual apresenta meras semelhanças
com as popularizadas pelo cristianismo. A profecia é contada em ditados feitos por Maomé, conhcios
como hadiths. Alguns desses hadiths se debruçaram em cotar os fins do tempo, não como um evento
único e definitivo, mas uma espécie de estágios para a culminação nesses.


Primeiramente, o mundo será corrompido, com bebidas, adultério, usuras e luxúria, começará a
crescer uma força contramajoritária a fim de punir e reprimir os mulçumanos, instaurando o império
das injustiças. “Haverá muitas mortes súbitas e muita chuva, mas pouca lavoura. Judeus lutarão contra
muçulmanos, mulheres andarão nuas e casais fornicarão nas ruas.” – reiterados pelo site de
curiosidades Super Interessante.


A última etapa será marcada por uma luta sagrada e definitiva entre o verdadeiro profeta, Mahdi, e o
falso profeta, Al-Dajjal, que será morto pelo Messias, assim que Alá o ordenar.
Mas, por que falar de uma profecia religiosa tão longeva mediante a um assunto tão sangrento,
político e realista quanto a Guerra da Síria?


Porque ao aludir a ditados tão comuns e costumeiros sobre os fins do tempos, fatalmente me vi
questionando, se afinal, isso já não é o prenúncio do Al-Din como os mulçamos chamam
culturalmente? Será que o mesmo não passou pela cabeça dos ditadores que, em uma promessa de
ordenar a nação Síria ao futuro, fizeram de seu governo uma ditadura de mais de 4 décadas? Será que
não é o propósito dos rebeldes que tentam tirá-los do poder? Isso tudo porque a profecia é clara: os
primeiros sinais seriam o império de injustiças contra os povos mulçumanos. Mas quais povos? E que
tipo de Justiça?

O profeta Maomé em ilustração de um manuscrito otomano do século XVII (Foto:Reprodução/ Biblioteca Nacional Francesa)

  1. A tentativa de um breve resumo sobre a Guerra da Síria:
    ● Família al-Assad

A dinastia da família al-Assad domina o governo Sírio desde 1971, com o patriarca da família, Hafez
al-Assad. De família humilde, Hafez nasceu em 1930, após os estudos primários, foi formado na
academia militar e, em seguida, enviado para completar sua formação com militares soviéticos. Sua
ascensão política se deu após a nomeação como Chefe das Forças Aéreas em 1964 , após uma ação
política mal sucedida. Desde 1963, o país já sofria forte reprimenda do regime militar e com o posto
de Hafez, em 1970, aproveitou sua posição para dar um golpe de Estado.


O governo era marcadamente conhecido por sua postura autocrática, justificada e legitimada por sua
origem alauitas, uma ramificação dos xiitas, o que os dirigem para uma interpretação mais rígida e
tradicionalista do Islamismo, refletindo, assim, nas escolhas e decisões políticas no governo.
Vale lembrar que apesar de formalmente o governo ser laico e, aparentemente, apresentar uma postura
secularista, de separação entre governos e entidades religiosas, é claro e evidente a posição da religião
como definidor de diversas políticas públicas, configurações familiares e principalmente princípios
basilares da administração e estrutura do governo.


Devido essa importante infuência do Islamismo na dinâmica social, uma dos principais pontos
conflitantes do governo do sucessor de Hafez, seu filho mais novo Bashar al-Assad, era sua posição
xiita em contraponto a maioria da população sunita.


Xiitas e Sunitas têm divergências a séculos e por isso é uma importante classificação dentro do
Islamismo: a principal diferença entre esses dois grupos está na interpretação de quem deveria suceder
o profeta Maomé como líder da comunidade islâmica após sua morte. Os sunitas acreditam que o
governante deveria ser escolhido pela comunidade, um líder secular que governaria o Estado Islâmico,
sendo um autor mais político que religioso. Por outro lado, os xiitas defendem que o sucessor legítimo
de Maomé, sendo um parente próximo, especificamente Ali, primo e genro do profeta, e seus
descendentes, sendo este o mais denotado em dirigir a população ao caminho de Alá.

● A primavera Árabe
A Primavera Árabe foi um conjunto de movimentos populares e antigovernamentais contra diversos
regimes autoritários protuberantes no norte da África e no Oriente Médio, sendo de tal importância
que influenciou diretamente países como Egito, Líbia, Síria, Iêmen, Barein e Marrocos. O movimento
começou na Tunísia, norte da África, no qual através de um protesto individual, Mohamed Bouazizi,
ateou fogo no próprio corpo após as autoridades confiscarem sua banca de frutas, por não conseguir
autorização para a venda. O ato gerou repercussão na internet, principalmente em redes sociais como
o Facebook, espalhando a revolta e ânsia por condições melhores de vida.


“Embora as circunstâncias econômicas tenham constituído um pano de fundo essencial para os
acontecimentos ocorridos no Norte de África durante os primeiros três meses de 2011, elas não são
por si só uma explicação cabal. Pelo contrário, o verdadeiro causador do processo tem sido a
incoerência entre as afirmações feitas pelos regimes nas suas tentativas de autolegitimação e a
realidade do desprezo e da repressão por eles praticados. Resumindo, a recusa em tolerar a
participação popular ativa no processo de governação viria a servir como impulsionador das crises que
os regimes enfrentaram a partir do momento em que foi encontrado o agente catalítico apropriado. E,
claro, a natureza do agente catalítico explica a cronologia das crises. Essa natureza, em si mesma, é
um reflexo das consequências da repressão e, ironicamente, das concessões de abertura política que os
governantes demonstraram nos últimos anos.” relata George Joffé, em seu artigo “A Primavera Árabe no Norte de África origens e perspectivas de futuro”. Ele ainda completa: “Só duas décadas mais tarde
é que percebi do enorme poder de um momento como aquele: como um ato sobranceiro pode
galvanizar uma população que era até então ambivalente, e convencê-la de que uma disputa confinada
com as forças policiais trazia implicações capazes de os fazer sair das suas salas de estar e
envolverem-se na luta.”

Cidade de Aleppo totalmente destruída por conta dos bombardeios que sofreu.

● Primeiros conflitos
Com as reverberações nos outros países citados, Bashar al-Assad teve uma postura mais “liberal” a
princípio, proporcionando certa abertura democrática mediante ao governo de seu pai, fechando com
o Estado de Emergência vigente a 48 anos, por exemplo, além da libertação de presos políticos e a
permissão de protestos pacíficos. No entanto, essa boa fase não durou muito.


Tudo mudou quando alguns estudantes picharam dizeres ofensivos ao governo, todos eles menores de
15 anos, o que acarretou em uma mudança de postura de Bashar, no qual através da polícia secreta da
síria, identificou os rapazes e os manteve presos por 45 dias, sob graves torturas ao corpo.


No início, as manifestações eram protagonizadas por civis e tinham caráter pacífico, no entanto, com a
repercussão da prisão e os graves ferimentos deixados pela tortura nos meninos, uma onda armada foi
crescendo entre civis revoltosos e militares desertores.


Em julho de 2011, surgiu o Exército Livre da Síria (ELS), formado exclusivamente por ex-soldados e
militares, considerado um grupo rebelde moderado, sem estar sujeito a uma ordem religiosa. Ao longo
do tempo, o grupo foi perdendo força política e armamentista, dependendo diretamente da Turquia
para a permanência. “A oposição rebelde na Síria também contou com grupos extremistas de
tendência jihadista, como o Hayat Tahrir al-Sham, anteriormente conhecido como Jabhat Fateh
al-Sham, e Frente Al-Nusra” – completa o professor Daniel Neves.


Mais tarde em 2013, o grupo terrorista Estado Islâmico se atrelou a alguns pequenos grupos armados
com denominação sunita oferecendo um falso apoio contra Bashar. o entanto, com algumas cidades já dominadas, eles se autodeclararam um califado, endo um reino governado sob as ordens e preceitos
islâmicos.


Para além desses grupos armados, a Síria foi palco mundial de uma luta armada geopolítica,
retornando aos ares da Guerra Fria vivida no século passado. Por questões ideológicas e históricas, a
Síria de Bashar mantém boas relações com a Rússia e o Irã, que fornecem petróleo, armamento e
tropas. Em contrapartida, o grupo Exército livre da Síria e o exército curdo, ambos opositores tanto do
Estado Islâmico quanto de Bashar, recebem ajuda dos EUA.


Portanto, até 2018, muitos analistas constataram que a guerra civil Síria estava longe de um fim
concreto, com todas as frentes ora enfraquecidas ora abastecidas, tornando a região e o país com uma
instabilidade política e econômica crônica.


Até agora…

Os baixos salários foram um dos motivos que levaram os militares sírios a fugir

Apesar de a Síria ser a sexta maior força militar do mundo árabe — a 60a maior, em termos
internacionais, segundo o Índice Global de Poder de Fogo de 2024, de um total de 145 países
analisados. Devido ao tempo da guerra civil e os conflitos paralelos no qual os principais aliados de
Bashar estão envolvidos, muitas frotas e armamentos já não eram o bastante mediante a tantas frentes
rebeldes distintas.


Além disso, “o exército perdeu uma grande parcela do seu pessoal — estimado em 300 mil soldados
— nos primeiros anos da guerra civil. Algumas estimativas afirmam que o exército perdeu a metade das suas fileiras, seja devido aos combates ou porque alguns soldados fugiram ou se uniram aos
grupos de oposição. A força aérea também sofreu grandes perdas devido à guerra civil e aos ataques
aéreos americanos.” – reitera Samia Nasr do BBC News Árabe.


Mesmo com as grandes reservas de petróleo presente na região, com o avançar da guerra e a conquista
de pontos estratégicos para a captação de gás e petróleo, assim como, para o transporte e
comercialização do mesmo através dos portos. A economia Síria, antes consolidada pelo ouro negro,
anualmente perdia seu valor e segurança, proporcionado especialmente por sanções norte-americanas
ao país.


“Em dezembro de 2019, o Congresso dos Estados Unidos aprovou a chamada “Lei César”. O texto
entrou em vigor em junho de 2020, impondo sanções econômicas a qualquer agência governamental
ou indivíduo que fizesse negócios com o governo da Síria.”


Tais medidas afetaram diretamente a roda econômica do país, impossibilitando mesmo o
abastecimento da população e proporcionando salários baixíssimos aos militares que lutavam a favor
de al-Assad. O que acabava por favorecer a rendição e desistência das tropas o enfraquecendo ainda
mais diante dos rebeldes.


Muitos analistas constatam que, a partir de 2016, no qual o governo de Bashar conseguiu se
estabelecer mais firmemente diante dos grupos rebeldes, houve um relaxamento das medidas e
incentivos militares marcado pela corrupção extrema do próprio governante. Desse modo, entende-se
que o líder se acomodou sob as asas da Rússia e do Irã, o que acabou por enfraquecê-lo quando
percebeu mais tardiamente que essa ajuda já não tinha como ser prestada, visto que a Rússia se
encontra em um conflito intenso com a Ucrânia, assim como, o Irã tem se preparado e financiado
outros grupos paramilitares contra Israel.


E agora? Vamos aguardar os próximos estágios para o possível prenúncio dos fins dos tempos?

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